Chapter 15: GP do Barein

Eu tinha planejado uma postagem diferente sobre o GP do Barein 2020. 

Logo depois da classificação e, sabendo a formação do grid de largada, salvei uma foto do Lewis Hamilton posando para as câmeras com mais um pneuzinho mãos. Ele chegou a marca de 98 poles positions na carreira e a 10ª da temporada e estava com uma cara de desprezo (a meu ver) absurda. 

Era óbvio que eu criticava o semblante de desânimo, ainda que fosse muito mais verdadeira que os seu discurso de "superação e trabalho duro". Partindo disso, então, rascunhei alguns parágrafos com essa foto de introdução e projetei o resultado do pódio para poupar tempo quando sentasse no computador e redigisse o texto completo  confirmado. Já sabia de sua vitória de ponta a ponta e coloquei algumas possibilidades de segundo e terceiro lugares, levando em conta que eu teria que prestar atenção na corrida, ou em 70% dela para retirar algo de "agradável" do GP para poder "rechear" a escrita. 

Não poderia reaproveitar a ideia inicial e os primeiro rascunho feito à mão. Com uma letra quase bonita demais para jogar fora (coisa rara), o papel acabou tendo um só fim: o cesto de lixo. Ficar a dizer - ainda que sarcasticamente - o quão privilegiados somos por termos um multi campeão que emana "entusiasmo" em "toda" conquista e que, "em júbilo", considera cada símbolo de reconhecimento de forma tão "genuína "que é contagiante e blábáblá... Bem... Perdeu o sentido pouco depois da largada.  

Eu peço licença para um texto que ainda que fale de Fórmula 1, fale muito pouco da corrida de ontem. 

Eu não queria assistir o GP do Barein. Eu não gosto do circuito, achei a classificação arrastada, já imaginava que a corrida seria um martírio. Comentei, em casa, que não gosto de corrida na hora do almoço. Se acontece alguma coisa, eu perderia o apetite. Mas falei isso, sem pensar muito nas implicações dela. 

Mesmo assim, lá estive na sala, esperando começar a corrida e reclamando do calor. Com a mesma cara de desprezo do Hamilton com mais um pneu, olhando para a TV. Em poucos segundos após as luzes vermelhas se apagarem, procurava o fim do grid, onde ficava o meu interesse e levei as mãos à boca quando avistei uma labareda de fogo. 

Faz um tempo que acompanho a F1. Não cheguei agora, nem comecei a assistir por conta de série de "bastidores" na Netflix. Não digo isso para legitimar meu gosto pelo esporte, apenas para afirmar que que, recentemente, assistir à F1 ou esportes à motor tem me suscitado emoções muito ruins e que a gente se esquece que são iminentes todo santo GP.

Desde meados de 2002, quando procurava na internet por notícias do meu piloto favorito, fui criando um péssimo hábito - que hoje, não consigo me desvincilhar - o de palpitar sobre F1 e trocar ideias sobre, com alguém. Não demorou muito para que entrasse em fóruns ou blogs que comentavam sobre o esporte. Precisa dizer que, por algum tempo, eu era a única mulher em um grupo de 5 ou ¨6 caras, na internet? Não, não é? Também não precisa destacar que, por mais que tivesse uma sombra de "respeito", haviam os que apelavam para o "mulher gosta de F1 porque tem piloto bonito".

Não nego que seja um caso comum e devemos admitir: muitas de nós começamos a nos interessar por F1 provavelmente porque nos apaixonamos platonicamente por algum deles. Ainda mais, se começamos muito novinhas, como foi comigo. Eu nasci em 1987, mas em casa, eu tinha irmã e pais que assistiam à corridas. Eu brincava com carrinhos. Chegar aos meus 10-12 anos, assistindo F1, assim como futebol, não era nada estranho. Com a adolescência, claro que minhas atenções pela estética dos caras, ligaram alertas. De novo: não vou negar.

Mas é importante ressaltar o seguinte: ainda que isso tenha sido um fator que motivou, ele não foi o único. Posso incluir, sem parecer arrogante que, com a maturidade, eu "abandonei" esse propósito e foquei realmente em assistir as corridas por puro prazer. Faz uns 7 anos que não salvo foto de piloto e não as guardo no HD do meu computador. Admiro a beleza deles quando me atraem? Claro que sim, oras! Mas vejam bem: não era só e não é mais. Porque não mais? Essas paixonites são alvos fáceis para deslegitimar o "fandom", isto é, entre elas (ou eles), se defende demais e acobertam-se os erros dos pilotos favoritos de forma cega. Mas se enganam aqueles que acham que isso "é coisa de menina" ou do fanbase. Já pude perceber comentários semelhantes até  mesmo, nas falas dos chamados "insiders"... Irônico, não?

Parece que estou escapando do assunto, mas tenho um propósito. Quero dizer com isso que, apesar de ser uma mulher que palpita sobre F1, isso não me rebaixa diante dos caras. E mais que isso, talvez nós mulheres, tenhamos um "plus" ao perceber as coisas que são próprias do "feminino". Explico.

Eu achei que Lewis tivesse me embrutecido. Eu não sinto emoção com suas vitórias. Ele bateu um monte de recordes esse ano e minha reação foi (para muitos, tenho certeza) mesquinha. Infelizmente foi assim: não achei e sigo não achando ele, grande coisa. Mas parabenizei a sua nova conquista e segui no padrão do "legal" e quando perguntam a sério, faço um "meh". 

Eu até achei bacana que, em Monza, Pierre Gasly tivesse sua primeira vitória. Achei bonitinho e pouco depois do fim da corrida, nem lembrava mais. Parece maldade com o francês, mas eu não criei essa empolgação toda com ele, nem com nenhum outro piloto mais jovem que tem enchido os olhos da galera por aí afora. E apesar de ficar torcendo pelo Kimi Räikkönen, quando ele vai mal, eu lamento.

Admito que tenho evitado ser crítica com os caras. Já ouviram o ditado "Quem muito fala, dá bom dia a cavalo"? E olha quanta gente tem feito isso por aí!!! Por isso, eu espero um pouco, observo primeiro os indícios. Já falei muita abobrinha, optei por falar menos e "puxar o freio de mão". Deveriam fazer mais isso; observarem as coisas antes de saírem construindo conjecturas bizarras pautadas em vários nadas. Do contrário, só expande o "fandom" e ele é, muitas vezes, cego, intolerante e sobretudo, nocivo.

Mas o que vou revelar agora para vocês pode ser duro, mas é um fato. Pedindo perdão de antemão pela expressão chula: eu perdi o tesão pela F1 nos últimos anos. Assisto, me volto aqui pelo menos uma vez a cada GP (mesmo com mil coisas para fazer), exponho palpites irrelevantes, porém, que o "relacionamento" esfriou, não há dúvidas.

A corrida no Barein, ontem, mostrou aquele outro lado da F1 que a gente se esquece que está o tempo todo à espreita. Cabe então falar do lado feminino do debate: esses caras, que a gente enche a boca para xingar quando nos incomoda, quando fazem alguma coisa que a gente não concorda, e que quando erram são crucificados, também são humanos! Ninguém pensa com exatidão que, quando entram no carro, eles estão correndo riscos e estão passando por algo que a gente desconhece. Eles deixam família e amigos em casa para fazerem o que gostam, mas que é e sempre foi muito perigoso. 

O que aconteceu ontem era corriqueiro nas décadas de 70, 80. Acidentes fatais, ainda que tenham diminuído muito, ainda ocorrem. Esses caras sabem disso. Nos últimos anos, as imagens são impressionantes e algumas mortes foram como um soco na cara sem aviso prévio como alertas de que, podem até tomarem cuidado, a tecnologia pode ter avançado muito, mas ainda não é o bastante.  Se quiserem, só precisam fazer uma pesquisa simples sobre os acidentes da era moderna das categorias para comprovarem que o assunto sempre foi sério. Não pode ser tratado como brincadeira, como muita gente faz.
Torcer por chuvas é uma das coisas que acho totalmente descabida justamente por conta disso. O risco torna-se muito maior, então, as vezes é melhor sim, evitar. 
Vibrar com as batidas, é outra babaquice. E isso acontece o tempo todo. Basta dar uma olhada nas chamadas de corridas na TV: sempre tem imagem de algum acidente. Deplorável, mas acontece.

Vocês viram as imagens. Não vou descrever o acidente de Romain Grosjean aqui, pois a televisão se encarregou de repetir trezentas vezes em todos os ângulos possíveis. O que eu vou descrever foram os momentos de desespero e angústia que passei até ver o cara a salvo - mas assustadíssimo - dentro do carro médico. 

Como a minha atenção estava voltada para o fundo do grid, eu vi a imagem primeiro que todo mundo em casa. Com o fogo, levei a mão à boca. "Quem era aquele?", pensei. E o coração apertou. Na voz de Everaldo Marques (incrível narrador) que teve a percepção rápida, informou que era Grosjean, pois era o carro que não tinha passado na fila. Lágrimas escorreram no meu rosto. Eu nem conseguia falar. Todo mundo ficou tenso e eu chorei em silêncio.

Eu não sou chorona. Apesar de ser sensível, eu fico triste com algumas coisas, mas eu só choro quando estou no ápice do desespero. Me emociono com arte, com música, com filmes, porém não sou de precisar de caixas de lenços todos os dias. Eu sei que certas coisas, são incontroláveis, mas eu consigo segurar a onda.
Assim que filmaram Romain no carro médico, agradeci mentalmente a Deus. E então vieram as imagens e eu me perguntava ele tinha saído dessa. Todos já sabem pois vários comentaristas e especialistas disseram a mesma coisa: foi um dos acidentes mais chocantes em muitos, muitos anos de F1. 

Grosjean jogou o carro para o lado na largada, foi tocado por Daniil Kvyat e em seguida, perdeu o traçado, o carro saiu da pista, houve uma faísca (que, para mim, é um recurso ridículo) que com atrito no solo e a areia fez com que, no impacto, explodisse por conta do tanque cheio e o carro partisse em dois. Só de lembrar agora, eu fico arrepiada pensando que Romain tenha ficado mais de 20 segundos ali, preso no guard rail que se torceu todo e com o cockpit atravessado nas ferragens. 

Claro que a tecnologia trouxe alentos. O macacão à prova de fogo salvou o franco-suíço de queimaduras mais graves, o capacete protegeu a sua cabeça do calor e das ferragens, o cockpit não permitiu que ele fraturasse algum osso e bem... Aquele dispositivo que tinha (e tem) muita gente criticando por que "deixa o carro esteticamente feio" chamado Halo, salvou a vida dele. Pensávamos nisso, naquela hora? Não.

Por um milagre, ele não desmaiou e se desvincilhou de cinto e pulou o guard rail com o auxílio dos comissários com extintores e do médico Alan van der Merwe. Era imprescindível que fossem rápidos. Essas ações, dele e da equipe de resgate combinadas com a tecnologia, foi a junção perfeita para que ele saísse dali, apenas com queimaduras leves nas mãos e nos pés (por ter se apoiado no guard rail em chamas) e supostamente, uma fratura nas costelas (que não foi confirmada horas depois, com os exames). 

De novo: as imagens são horríveis. Mas isso não foi medido pela F1 ao transmitir, inclusive para os pilotos no pit lane, como ele saiu do fogo e das ferragens. Ainda que a intenção tenha sido acalmar a todos e deixar entender que ele estava relativamente bem, digo que concordo plenamente com as declarações de Daniel Ricciardo e Sebastian Vettel sobre a divulgação delas. As pessoas gostam de acidentes, e esse fato foi levado à risca pela transmissão repetindo aquilo exaustivamente, a cada minuto num ângulo diferente e a cada vez, mais impressionante. Alternavam com imagens do pit lane, e de Romain sendo levado ao centro médico e depois, levado de helicóptero para o hospital da cidade. No paddock os rostos dos pilotos não eram os melhores em expressão e com razão. Quem se sentia mais tenso, era quem deveria voltar a sentar num carro de corrida quarenta minutos depois.  

Como disse Vettel, eles se esqueceram de pensar em quem está atrás do volante. Volto a repetir: esses caras podem até ganhar muito dinheiro, mas eles deixam família e amigos para fazerem o que amam. Imaginem a Marion, esposa de Grosjean, o quão atônita deve ter ficado com o marido dela pegando fogo na pista? Se eu, longe de tudo, não conseguia pensar racionalmente e evitar que minhas mãos tremessem em desespero, imagina ela, que conhece e convive com o cara? Percebem a gravidade que isso tudo implica? Houve tensão do lado de cá da TV, houve tensão no paddock, mas logo a insensatez ganhou seu devido espaço. Justo num momento tão delicado.

Primeiro toda a exploração das imagens. Aqui no Brasil, particularmente, não houve nem 10 minutos depois da confirmação que Grosjean estava fora de perigo e cogitaram a substituição do piloto por um brasileiro de sobrenome famoso, na transmissão.
Nada contra Pietro Fittipaldi, mas não era o momento para falar sobre isso.
O que incomodou o pessoal? Uma fala (dura) de Max Verstappen sobre pilotos que optariam por não correr depois do acidente que quase matou Grosjean. ... "Insensível que falou merda"? Oras, mas tudo ok mencionar que o substituto imediato, nem 5 minutos depois, afinal, é um compatriota? 

Eu disse que insensatez ganhou espaço, não é? Então saibam que teve comentário pior que o do Max: desde a relargada em que Kvyat se envolveu com um toque em Lance Stroll (e o canadense fechou a curva para cima dele, diga-se), foi feito comentários patéticos sobre a suposta "direção perigosa" do russo (inclusive de gente conhecida na mídia). Houve até o fato de Grosjean ganhar como piloto do dia e as pessoas acharem um absurdo só porque se salvou de mais uma "manetada" sua.

Nesse tempo todo que eu assisto a F1, e vi Grosjean chegar à categoria, eu nunca o critiquei por achar ele "perigoso". Já até o defendi desse título. (Criei apelido que, de todo modo, era carinhoso - Linguini da animação da Disney/Pixar "Ratatouille", pela semelhança física com o personagem). Mas sei tem uma galera que o detesta e já falou cobras e lagartos sobre ele. Lembram que falei da fanbase nociva? Pois é. Por sorte, não tenho contato, ou teria mandado esse pessoal arrumar serviço. 

Eu vou defender o Max (de novo, pelo visto). Sim, ele foi duro na declaração. Talvez infeliz para o momento. Com certeza, mas é compreensível que ele fale essas coisas: o holandês foi criado de forma rígida pelo seu pai. E ainda que tenha vindo à tona a frase num momento delicado, fato é que a F1 não iria cancelar a corrida, a não ser que ele morresse. Max tentou, de forma fria, analisar a situação. Muito provavelmente foi criado para pensar assim. Pode não isentá-lo do erro, mas justifica-se.

Presumivelmente a declaração dele dói mais nos outros do que um ato vil em procurar se alegrar com a possibilidade de um piloto brasileiro ter sua chance no lugar do Grosjean. Qual é a justificativa para isso? Não vejo nenhuma. Mesmo que venha dito: "adoraríamos que fosse de outra forma, mas...". Ah, o "mas... A conjunção adversativa que nos trai! Sigo não vejo motivos para achar isso bacana. Nem 24 horas foi dada para perguntarem ao Gunther Steiner sobre essa possibilidade.  

Da mesma forma não vejo motivos para fazer essa chacota toda com o Kvyat ou quem quer que venha a falar sobre direção perigosa. Exemplo: Vettel reclamou que Leclerc não deu espaço para ele nas duas largadas. Ninguém viu nada demais e já acharam que Vettel voltou a ser "chorão" de sempre. Imaginem se fosse o contrário?
As pessoas precisam parar de se exaltarem por aquilo que elas desconhecem. 

Enfim... O que realmente importa: o fato de que, umas horas depois do fim da corrida, Grosjean fez um vídeo do hospital, com as mãos enfaixadas e dizendo que estava bem. Essa era realmente a imagem boa e que deveria ser repetida mais vezes. Seu sorriso e sua carinha de gratidão acalmou todo mundo que estava preocupado com a sua condição. Aguardamos que ele venha a fazer a sua despedida da categoria em Abu Dhabi, como deve ser e merece. (Ah, e se não viram, procurem ler o que o Kevin Magnussen escreveu sobre o companheiro de equipe. Foi tocante e muito bacana - segue o link do Instagram do dinamarquês.)

Quanto à corrida, duas coisas boas ocorreram: ainda que tenha sido por falha no motor de Pérez, Alex Albon foi ao pódio e ganhou mais um tempo para segurar sua vaga na Red Bull para o ano seguinte (ou assim a gente espera). 

Outra coisa boa dessa corrida foi que ela acabou. Fica a reflexão e com todo mundo ainda abalado pelo acidente.
Sugiro também uma autoanálise: vamos continuar falando besteiras, tendo sangue de barata, sendo insensatos até quando?

Abraços afáveis. #GetWellSoonRomain

Comentários

Carol Reis disse…
Há muito tempo eu não ficava chocada vendo F1. Por um instante, eu realmente achei que o Grosjean havia morrido. Vê-lo saltar pra fora das chamas foi um milagre e sinceramente, pelas últimas declarações dele, acho que vai ele vai parar de vez com isso de automobilismo e que bom. Ele é o maior vencedor dessa temporada.

Sobre os replays sem fim da FOM, por um momento eu não conseguia desviar o olhar porque tudo foi chocante demais. É inacreditável aquilo tudo. Mas depois de uns dez minutos já tinha me cansado. O Ricciardo tem razão.
Manu disse…
Foi bem chocante mesmo, Carol.
E sim, acho que o Ricciardo foi muito certo na colocação.

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